Eu e a família da Ana Flávia. Gente linda e estudiosa.
Discurso do professor Bertholdo na formatura do Ensino Fundamental II em 2019.
Minha fama
é a de professor que dá aula o tempo inteiro, até o último
minuto! Eu e o Caco vamos aproveitar para reforçar o conteúdo da
apostila com vocês.
“Caco”
no teatro é uma gíria para improvisos no texto. Era também meu
personagem preferido da série Muppets dos anos 1970, virou meme na
internet.
Bonecos
foram muito importantes para essa turma que sempre demonstrou
sensibilidade, criatividade e uma maneira de ver o mundo pelo lado da
fantasia, adaptando coisas, improvisando.
Lembro ainda da oficina de
bonecos que realizamos para que pudessem estudar a Idade Média, com
histórias do italiano Bertholdo,
Bertholdinho e Cacasseno.
Alguns personagens tiveram vida própria nas aulas. Gerald, que foi
criado pela Isabela, trocava de roupa todos os dias, era vaidoso e
indisciplinado, chegando a ser tirado da aula de Ciências. Frank a
tartaruga, acompanhou a turma nas festas e passeios, teve até
uniforme do Vital.
O tempo de hoje guarda “cacos”
dessas histórias antigas. Lembro de quando estive no lugar de vocês,
concluindo meu 9° Ano em 1989. O Brasil tinha esperança por ter
conseguido eleger o primeiro presidente civil, depois dos Anos de
Chumbo. O mundo assistiu a queda do Muro de Berlim. Achávamos que
capitalismo e socialismo não existiriam mais. A cidadania e a
liberdade davam o tom da Constituição de 1988.
Um adolescente que deixava o
ensino fundamental em 1989, acreditava que um emprego na indústria
resolveria sua vida. Em Santos, cidade onde nasci, o sonho era fazer
um curso no Senai e depois trabalhar na siderúrgica Cosipa ou nas
oficinas e escritórios do Porto de Santos.
Muitos políticos e intelectuais
de peso voltaram para o país. Um deles foi o geógrafo Milton
Santos, que conheci em 1994, já quando estudava na USP. Ele
trabalhava o conceito de Globalização, o mundo jamais seria o
mesmo. O professor Milton tinha muito a ver com vocês. Aquele homem
negro, nordestino, conhecido no mundo inteiro, era maravilhosamente
educado e simpático com cada um que passava por ele nas rampas e
corredores da faculdade. O sonho nessa época era o de trabalhar em
grandes projetos de tecnologias, A IBM por exemplo.
O mundo globalizado, pesquisado
por Milton Santos, demonstrou ter fragilidades para muitos de nós.
Estudar para trabalhar na indústria? A Cosipa fechou, o Porto não
emprega pessoal próprio, a IBM não existe mais. Qual o motivo para
uma formatura então?
O site da Organização das
Nações Unidas1
publicou um texto em 2018, explicando que 65% das crianças que
entram na escola atualmente, ocuparão carreiras que ainda não
existem. O mundo globalizado que Milton Santos pesquisou é muito
mais líquido e frágil do que pensávamos em 1989.
Em 2000 o governo criou uma
campanha chamada Brasil 500 anos. O jornal Folha de São Paulo fez
uma série de reportagens com textos de vários pensadores. Adivinhem
que escrevia aos domingos? Milton Santos!2
Ali ele explicava sobre a formação do Brasil urbano no século XX,
de como a classe média tomou os melhores postos de trabalho, o
financiamento público da casa própria, as melhores escolas para os
filhos. Também explicou que essa mesma classe média não soube
“dividir o bolo”. Caberia a ela tornar o Brasil um país mais
justo, igualitário, já que teve as melhores condições para isso.
Entenderam a aula? Parte do
mundo que minha geração conheceu não existe mais, o mundo onde
vocês devem viver ainda não foi inventado. Caberá a cada um de
vocês, que tiveram o privilégio de ter um teto, família e escola,
criar um mundo mais justo, inclusive para aqueles que não
conseguiram nada disso, nem mesmo a convivência familiar ou uma
escola de qualidade.
Caberá a cada um de vocês
planejar as ações, usar os “cacos”, improvisar quando for
necessário, para que o Brasil e o mundo tenham mais crianças que
acreditam em bonecos, que fiquem conversando com tartarugas de
resina.
Ganhem o mundo formandos do
Colégio Vital Brazil de 2019! Ele é de vocês.
2 SANTOS,
Milton. Uma
metamorfose política.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1710199903.htm
. Acesso em 15/12/2019.